Por Rodrigo Lago
Recentemente, por ocasião de afastamento do governador Flávio Dino para apresentar a sua excelente gestão a frente do Governo do Maranhão na Havard University, em Cambridge, Massachusetts, EUA, assumiu o governo, em substituição provisória, o vice-governador Carlos Brandão, que permaneceu em exercício no período de 04 a 08 de abril de 2018. Passados quinze dias do fato, opositores começaram a veicular uma suposta inelegibilidade dele para disputar o mesmo cargo, ou seja, para se reeleger ao cargo de vice-governador. Sem qualquer razão, o questionamento.
Desde a Emenda Constitucional nº 16/97 que foi instituída a reeleição aos cargos do Poder Executivo. O novo texto constitucional foi logo impugnado, tendo o Supremo Tribunal Federal confirmado a sua constitucionalidade, afirmando ainda não haver necessidade de desincompatibilização. Em seguida, o Poder Judiciário estendeu o mesmo direito aos vices, inclusive quanto à desnecessidade de desincompatibilização: “Não é necessária a desincompatibilização do vice-prefeito para concorrer à reeleição ou a outro cargo, desde que, nesta hípotese, não tenha sucedido ou substituído o titular nos seis meses anteriores ao pleito” (TSE – Consulta nº 614, Relator Min. Edson Carvalho Vidigal, DJ 12.05.2000, p. 88).
Ou seja, somente seria exigível do vice a desincompatibilização caso resolvesse se candidatar “a outro cargo”, apenas nesta hipótese, ainda assim ficando dispensada a desincompatibilização caso não tenha sucedido ou substituído o titular nos seis meses anteriores ao pleito. Caso seja candidato à reeleição ao cargo de vice, não precisa se desincompatibilizar, mesmo que tenha assumido interinamente nos seis meses que antecederem a eleição.
O TSE reafirmou esse entendimento em várias ocasiões, como quando sentenciou que “o vice-governador que substituir o governador, nos seis meses anteriores ao pleito, mesmo estando no exercício do cargo na data da eleição, poderá candidatar-se ao cargo de vice-governador, para um único período subsequente” (TSE – Consulta nº 729/DF – Relator Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira, DJ 01.02.2002, p. 234).
Basta lembrar que, dentre os primeiros vice-governadores que se beneficiaram da emenda do instituto da reeleição, Geraldo Alckmin e José Reinaldo Tavares assumiram interinamente os governos de São Paulo e Maranhão, respectivamente, durante os meses que antecederam as Eleições de 1998. Alckmin permaneceu no governo paulista até mesmo no dia das eleições e Tavares comandou os Leões durante os meses em que Roseana Sarney esteve licenciada para se recuperar de cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, durante os meses de julho a setembro, em pleno período eleitoral. E nem por isso tiveram seus registros de candidatura indeferidos.
No caso Geraldo Alckmin, inclusive, o STF acabou confirmando o entendimento do TSE na eleição seguinte, admitindo a possibilidade de sua reeleição ao cargo de governador do Estado, cargo que acabou assumindo em definitivo após o falecimento do ex-governador Mário Covas. Resumindo, foi vice-governador no período de 1994-1998, tendo substituído Covas interinamente por quatro meses antes das Eleições 1998, quando foi reeleito vice-governador, sucedendo o titular no curso do segundo mandato, quando foi candidato à reeleição, por ficção jurídica, ao cargo de governador. Tudo avalizado pelo Judiciário, até o STF.
Anos mais tarde, o TSE confirmou o entendimento, respondendo positivamente ao seguinte questionamento: “Vice-Governador no exercício do cargo de Governador do Estado nos 6 (seis) meses antes das eleições – interinamente, ou seja, substituindo o titular – é elegível para novamente concorrer ao cargo de Vice-Governador?” (Consulta nº 1.193 – Relator Ministro Gerardo Grossi, DJ 07.04.2006, p. 166).
Mais recentemente, em razão de viagem da então presidente Dilma Rousseff, o então vice-presidente da República em 2014, em primeiro mandato, Michel Temer, assumiu interinamente a Presidência da República em 29.07.2014, ou seja, dentro do período de seis meses que antecederiam as Eleições 2014. E apesar de ter sido essa a eleição presidencial mais questionada judicialmente da história da democracia brasileira, ainda assim não houve sequer impugnação da candidatura do então vice-presidente Michel Temer, que acabou tendo o registro de sua candidatura deferido, sendo posteriormente proclamado reeleito ao cargo de vice. Agora, ante o impedimento da titular em razão da cassação pelo Congresso Nacional, se tornou presidente da República, por sucessão. E, querendo, ainda poderá ser candidato à reeleição, por ficção jurídica, ao cargo de presidente da República, na esteira do precedente de Geraldo Alckmin.
Assim, desde os primeiros vices, nos casos de Alckimin e Tavares, até os últimos, como o caso de Temer, nunca se cogitou que, para disputarem a reeleição ao mesmo cargo, os vices de primeiro mandato devessem se desincompatibilizar ou ainda que não pudessem exercer as suas únicas competências constitucionais, de substituir o titular nos seis meses anteriores às eleições. Desde sempre se admitiu.
Aliás, o texto expresso do art. 1º, §2º, da Lei Complementar nº 64/90, é expresso ao consignar que o vice somente precisa se desincompatibilizar caso queira disputar cargo diverso do que ocupa. E caso permaneça no cargo de vice e substitua o titular interinamente dentro dos seis meses que antecederem as eleições, somente não poderá ser candidato a cargo diverso, podendo ser candidato a reeleição ao cargo de vice. E por razões óbvias, ao cargo do próprio titular. Há diversos outros argumentos jurídicos para afastar a absurda pretensão de afirmar a inelegibilidade do vice-governador, nessa situação, mas esses já são suficientes para fazê-lo.
O TSE nunca indeferiu a candidatura de nenhum, repito, nenhum vice em primeiro mandato que, tendo substituído o titular nos seis meses que antecedem as eleições, tenha disputado a reeleição ao cargo de vice, seja de presidente da República, de governador ou prefeito. E já tivemos eleições com centenas de casos assim desde a Emenda da reeleição.
Portanto, não há fundamento jurídico para se questionar o direito constitucional do vice-governador de primeiro mandato de, tendo exercido a sua função constitucional de substituir interinamente o titular por ocasião de licença sua, ainda que nos seis meses que antecederem as eleições, de disputar a reeleição ao mesmo cargo, de vice-governador.
* RODRIGO LAGO é especialista em Direito Eleitoral (UFMA), advogado licenciado, ex-conselheiro da OAB e atualmente é secretário-chefe da Casa Civil do Governo do Maranhão.
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